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A DOCE SORAYA

Por Tainã Maciel

O nome de Soraya chegou até nós por meio de um pedacinho de papel dobrado. O mesmo nome que possui origem árabe e significa ‘luminosa’ ou ‘brilhante’, não poderia combinar melhor com a personalidade da mulher confiante e cheia de vigor que conhecemos. Ela  já havia contado com orgulho a sua história em algumas entrevistas anteriores e o número do seu celular estava guardado na agenda de uma amiga do meio jornalístico.

 

Feito o primeiro contato com Soraya, o segundo e o terceiro, marcamos uma conversa no Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ), no Centro de Fortaleza, local considerado por ela como sua segunda casa. Fomos recebidos com a tranquilidade de quem já havia passado por cinco anos de tratamento, incluindo a fisioterapia, e estava prestes a iniciar outra sessão naquele momento. Soraya conversava com enfermeira, sobre a vida, os novos projetos e aspirações, consultando vez ou outra o celular. Quando terminou de ser atendida, puxamos uma cadeira para conversar.

 

Natural de Fortaleza e com familiares de Juazeiro do Norte, interior do Ceará, ela estudava Radiologia e Ciências Contábeis, além de trabalhar como agente de cobrança, no mesmo período que antecedeu o acidente. A mãe de dois meninos, Nycolas e Matheus, nunca deixou faltar nada dentro de casa. Independente e autodeclarada vaidosa, Soraya também sempre arranjava tempo para cuidar de si.

"Meu sobrenome é atrevimento"

"Eu tinha a triste ilusão que eu ia embora no mesmo dia. Fiquei 41 dias internada"

A mulher, hoje com 37 anos de idade, lembra como o dia 18 de junho de 2013 reconfigurou a sua história. Soraya preparava a refeição dos filhos e de seus três sobrinhos que estavam na sua casa, localizada no Bairro Cajazeiras. A carne preparada não gerou o delicioso cheiro característico quando foi ao forno naquele dia, e o odor de gás não foi percebido por Soraya quando ela apertou o botão automático novamente. “Uma bola de fogo” foi responsável por queimar os braços, o nariz, a testa, a boca e principalmente as suas pernas.

Depois que percebeu a gravidade da queimadura, quando somente a água do chuveiro  amenizava infimamente as suas dores, Soraya foi levada ao Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do Instituto Dr. José Frota. Naquele dia, um rapaz que fazia a instalação de uma porta em seu quarto se prontificou a socorrê-la. Os dias mais difíceis, considerados por ela, estavam por vir.

 

Chegando ao hospital foi detectado que a condição de Soraya era grave e que ela precisaria ser internada. Uma semana, quinze dias, um mês. Enquanto ela observava as plaquinhas nos leitos ao lado do seu, percebeu que talvez não fosse sair dali tão cedo como imaginava. Como desejava.

Soraya Yashié - Confeiteira
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"Não acreditei que ele ia querer casar comigo toda queimada."

A superação, a partir daquele momento faria parte de cada momento, de cada passo. Ao sair do hospital, cercada de amor, Soraya teve o auxílio de sua amiga Darlete que se mudou para sua casa. Acompanhando suas primeiras vitórias por quatro meses, Darlete viu Soraya conseguir andar do quarto para a cozinha. A primeira conquista marcava uma nova vida, renascida como a fênix tatuada nas costas de Soraya, quase como um presságio.

 

Também logo depois do acidente, uma surpresa: seu namorado Leano Lima lhe pediu em casamento. A cerimônia intimista, mas nada tradicional, teve direito a vestido de noiva branco e preto combinando com o cabelo longo do “metaleiro” Leano. A união impulsionou ainda mais a recuperação de Soraya.

Atualmente, nada de sol e salto alto. Soraya consegue se locomover devagar, porém não tem resistência para permanecer mais de 10 minutos em pé. Pegar um ônibus é um desafio, por exemplo. Com as pernas cobertas com as coloridas saias, Soraya ainda conheceu durante esses anos a face do preconceito, mas conta que todas as experiências lhe fortalecem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Soraya ainda é considerada a mais vaidosa dos sete irmãos, e voltou a ser estudante. Por coincidência ela começaria a estagiar na área de radiologia no dia posterior a nossa entrevista. Mas uma paixão por outra área, pouco provável, também nasceu após o acidente: a confeitaria.

Fotos: Abílio Souza

"O que mudou foi a aparência das minhas pernas. Os sonhos não precisam mudar"

 

 

 

Dois anos depois do traumático contato com o forno, Soraya estava sem trabalhar e passava o dia em casa. Com o financeiro apertado, ela se viu numa situação difícil quando seu filho pediu um bolo de aniversário de presente. E nesse dia, ela conseguiu fazer a massa. Ela conseguiu colocar no forno. Ela conseguiu apertão o botão.

 

 

 

 

O gesto criou a oportunidade para um novo negócio, e a ideia da irmã de fazer bolos no pote evoluiu para festas de aniversário da família, encomendas e cursos de aperfeiçoamento. Hoje, Soraya Yashié fala de peito aberto que suas cicatrizes representam vitória, mas que elas não lhe representam, já que ela é muito mais do que isso.

Soraya Yashié - Confeiteira
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