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ACIDENTE

ACIDENTE

Por Luis Augusto

Aos sete meses de vida, Jonatas Cavalcante andava pela casa com ajuda de um andador sob o olhar dos pais, Elizângela e Renildo. Um breve momento de desatenção do casal foi o suficiente para que o pequeno fosse em direção a uma fogueira montada no lado de fora da casa. Ao se aproximar, Jonatas tropeçou e caiu junto com o andador no fogo que ardia. Hoje, três anos após o acidente, ele ainda carrega as marcas das queimaduras no rosto e nos braços e permanece fazendo tratamento.

Acidentes com queimaduras, como é o caso de Jonatas são mais comuns do que se imagina. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as queimaduras são responsáveis pela morte de 180 000 pessoas em todo o mundo. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, um milhão de brasileiros se queimam anualmente. Desse total, cem mil buscam atendimento hospitalar e 2500 destes pacientes vão a óbito direta ou indiretamente em decorrência da gravidade das lesões.

As queimaduras constituem um sério problema de saúde pública e são causadas por agentes térmicos, químicos, elétricos ou radioativos. As lesões atingem primeiramente a pele, maior órgão do corpo humano e responsável pela proteção do organismo contra infecções. Dependendo da gravidade e profundidade, camadas mais profundas da pele, músculos, tendões e ossos também podem ser atingidos.

O cirurgião plástico e médico do Centro de Tratamento de Queimados do Instituto Doutor José Frota, Edmar Maciel considera a queimadura como um dos traumas mais complexos que o organismo humano pode se submeter.

 

— A queimadura é uma das maiores agressões ao corpo, porque perder a pele é perder a barreira de contato e a barreira que defende o organismo de infecção do meio externo. O paciente queimado tem consigo, no mínimo, uma sequela estética e uma sequela psicológica causadas pela queimadura, sem contar as sequelas físicas.

Conforme a profundidade e o tamanho da superfície corporal atingida, a queimadura pode ser classificada em primeiro, segundo ou terceiro grau. Em crianças, se mais de 10% do corpo for atingido pela queimadura, o risco de mortalidade é alto. Já em adultos, o risco existe se a área atingida for superior a 15 %.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pequenos descuidos em tarefas do dia a dia podem resultar em acidentes que ocasionam graves sequelas físicas e psicológicas que serão carregadas pelo resto da vida. Em 2017, a principal causa dos acidentes dos pacientes que deram entrada no Centro de Tratamento de Queimados do Instituto Doutor José Frota foi o contato com bebidas, alimentos, gordura e óleo de cozinha quentes, com 1.143 atendimentos.

 

Apesar de ser aconchegante e aparentemente inofensivo, o ambiente doméstico é o principal local onde ocorrem os acidentes que ocasionam queimaduras. A capitã do Corpo de Bombeiros do Estado do Ceará, Juliany Freire explica que a probabilidade da ocorrência de acidentes nesse tipo de ambiente é mais alta devido à exposição a uma maior quantidade de riscos.

 

— Os principais riscos em casa são materiais inflamáveis, produtos de limpeza, fogão durante o ato de cozinhar, ferro de passar, chapinhas e fósforo ao alcance de crianças. São riscos que estão presentes em nosso cotidiano e a maioria dos acidentes ocorridos poderiam ter sido evitados pela observância das normas de segurança.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Juliany esclarece que fora do ambiente doméstico os riscos também existem, mas a probabilidade de acidentes é menor. As principais causas de acidente são raios, manuseio inadequado de materiais explosivos, manuseio de combustíveis e a eletricidade, que pode gerar uma queimadura. Em caso de acidente, a capitã alerta que a única ação realizada deve ser expor a região afetada para receber água e buscar atendimento adequado.

 

— As vítimas devem evitar fazer o uso de qualquer produto como pasta de dente ou borra de café, porque corre o risco da região afetada apresentar uma infecção e agravar o problema. A recomendação é aplicar água corrente em temperatura ambiente e se dirigir ao hospital.

Juliany Freire - Capitã do Corpo de Bombeiros
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TRATAMENTO

TRATAMENTO

Por Luis Augusto

No Ceará, o único serviço público de saúde especializado no atendimento e tratamento das vítimas de queimaduras é o Instituto Doutor José Frota, que desde 1993 conta com o Centro de Tratamento de Queimados Doutor Germano Riquet. A unidade é o primeiro destino do trajeto que as vítimas de queimaduras fazem na busca pela recuperação física e psicológica dos traumas.

 

Com uma emergência própria e independente do restante do IJF, o Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) possui 33 leitos para internação dos pacientes e conta com uma equipe interdisciplinar composta por 140 profissionais. Com uma média de 25 a 30 internações mensais, em 2017 a unidade atendeu 3.647 vítimas. Desse total de pacientes, os adultos entre 20 e 59 anos lideram os atendimentos, em segundo lugar estão as crianças entre 0 e 14 anos. Os idosos são o terceiro maior número de pacientes atendidos, seguidos pelos adolescentes de 15 a 19 anos, que estão em quarto lugar.

Ao dar entrada no IJF, as vítimas de queimaduras são imediatamente encaminhadas para  o sétimo andar do hospital, onde fica localizado a ala para o tratamento de queimados. João Ribeiro Neto, médico coordenador do CTQ explica que logo que o paciente chega à unidade é submetido ao banho anestésico, procedimento que realiza uma lavagem do tecido lesionado. Após o banho, a equipe médica avalia a gravidade, extensão e localização da queimadura do paciente, para definir se será preciso submetê-lo a internação.

 

O médico também explica que nem todos as vítimas de queimaduras precisam se submeter aos procedimentos médicos para a recuperação das lesões. O atendimento hospitalar só é realizado com os pacientes com queimaduras mais graves.

 

— A queimadura de primeiro a gente nem atende, só fazemos uma orientação aos pacientes, que é tomar bastante líquido, usar um hidratante ou óleo e evitar o sol. Já a queimadura de segundo grau, que tem a formação de bolhas, é preciso romper essas bolhas e aplicar curativo. A queimadura de terceiro grau com certeza precisa de internação para fazer limpeza cirúrgica, banhos e enxerto de pele.

 

Durante o período de internação, além dos procedimentos cirúrgicos para correção, limpeza e enxertia de pele, o tratamento das vítimas de queimaduras mais graves também é feito com curativos que contêm a pomada de sulfadiazina de prata. O medicamento que é antibactericida e ajuda a evitar infecções precisa ser trocado a cada 24 horas. Os demais pacientes que não necessitam de internação são tratados somente com curativos e analgésicos, mas precisam retornar a unidade a cada dois dias para realizar a troca dos curativos.

 

 

 

 

De acordo com João Ribeiro Neto, os dias com maior quantidade de atendimentos no Centro de Tratamento de Queimados são segunda, quarta e sexta-feira, quando em cada um dos dias são feitos em média 80 curativos. 

 

— As pessoas que se queimam no final de semana não procuram o serviço logo que se queimam, elas só deixam para vir no começo da semana. Por isso que os piores dias são segunda, quarta e sexta, porque quem faz o curativo na segunda-feira precisa trocá-lo na quarta e na sexta-feira.

 

Já nos demais dias da semana, o número de atendimentos é reduzido e a média de curativos cai para 50 por dia.

João Ribeiro Neto - Médico coordenador do CTQ
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RECUPERAÇÃO

RECUPERAÇÃO

Por Émerson Rodrigues

Quando o paciente recebe alta do Instituto Doutor José Frota, ele leva consigo suas cicatrizes e traumas. Em alguns casos, a recuperação não termina após a vítima de queimaduras ultrapassar a porta de saída do Centro de Tratamento de Queimados, mas passa pela continuidade de um tratamento iniciado ainda durante o período de internação na unidade. A reabilitação física e psicológica para reduzir as sequelas deixadas pelas queimaduras é crucial para que o paciente possa ser reintegrado a sociedade. Esse tratamento continuado, contudo, não é ofertado pelo serviço público do Ceará. Para suprir essa carência, em 2006, foi criado o Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ), uma Organização Não-Governamental (ONG) que presta atendimento gratuito às vítimas de queimaduras em recuperação.

 

Inicialmente, os atendimentos eram realizados no IJF, onde também eram distribuídos os produtos necessários à recuperação dos pacientes, caso do creme hidratante e nutritivo, fotoprotetor solar e das malhas compressivas. Em 2009, contudo, o IAQ passou a funcionar em sede própria, na Rua Visconde de Sabóia, nº 75, no Centro de Fortaleza. Nos 800 metros quadrados do prédio, funcionam, em 16 salas, serviços como fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia, ginecologia, enfermagem e setor de malhas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Segundo a gestora do Instituto de Apoio ao Queimado, Márcia Távora, a ONG conta hoje com 23 funcionários e atende 800 pacientes mensais, em sua maioria, encaminhados do Instituto Doutor José Frota. Márcia destaca ainda que o IAQ veio para suprir uma lacuna. Segundo ela, quando recebiam alta do IJF, os pacientes se viam desamparados por não haver um acompanhamento continuado, hoje oferecido no Instituto.   

 

 

 

 

Dentre os pacientes atendidos nesses mais de doze anos de Instituto estão Sheila Santos e Soraya Yashié. As duas sofreram queimaduras de segundo e terceiro grau e fazem até hoje, duas vezes por semana, acompanhamento psicológico e fisioterápico no IAQ. Encaminhadas pelo IJF para continuar a reabilitação no Instituto, elas se conheceram, dividiram as dores e as alegrias do desenrolar do tratamento.

 

Manter a rotina de atendimentos do espaço, no entanto, não é nada fácil. Fundado pela terapeuta ocupacional Mércia Aires, pela fisioterapeuta Cira Melo e pelo cirurgião plástico Edmar Maciel, o Instituto de Apoio ao Queimado, por ser uma ONG, não tem fins lucrativos e se mantém graças a iniciativa privada. Atualmente, o IAQ conta com 28 empresas mantenedoras que contribuem como podem, segundo o próprio Edmar:

 

— Cada empresa dá o que quer e o que pode. Por exemplo, a gente tem empresas como escritórios de advocacia e de contabilidade, que é nos dar esse suporte gratuito. Temos empresas que nos fornecem os produtos de limpeza, lanche para os pacientes e funcionários, os produtos que a gente usa, como creme hidratante, protetor e malha compressiva. E temos outras empresas que nos fornecem dinheiro, através de contratos mensais, para que a gente possa gerir o Instituto e pagar todas as despesas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Com a crise econômica, o IAQ perdeu, em média, de oito a dez mantenedores, esclarece Edmar Maciel. Mesmo assim, os atendimentos foram mantidos, devido o Instituto ser a única alternativa no Ceará que presta assistência às vítimas de queimaduras e seus familiares pós-alta do Instituto Doutor José Frota.

 

Com 40% da demanda de atendimentos, a fisioterapia é o carro-chefe do Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ). Dentre os objetivos do atendimento fisioterápico, estão prevenir deformidades e contraturas, melhorar o processo de cicatrização, recuperar a amplitude do movimento articular, a força muscular, a sensibilidade, a diminuição da dor, corrigir transtornos posturais e fazer com que os pacientes possam voltar a trabalhar.

 

A fisioterapeuta Patrícia Barbosa, que trabalha a sete anos na ONG, lembra ainda que a recuperação passa por um trabalho mais humanizado dos profissionais junto aos pacientes:

— A gente abraça a causa não só como fisioterapeuta. É uma mão amiga. A gente precisa escutar porque a queimadura é um registro para o resto da sua história. Ela não só marca o corpo, o movimento, a mente, mas mexe com tudo.

 

Além do tratamento fisioterápico, dois setores também muito procurados no Instituto são a psicologia e a terapia ocupacional. Quando o paciente deixa o hospital, ele espera voltar as atividades cotidianas o mais rápido possível. Entretanto, quando se vê dependente dos familiares, a sensação que fica em sua mente é de incapacidade e inutilidade, o que pode levar a problemas como depressão e estresse pós-traumático. Para piorar a situação, as cicatrizes acompanham esse paciente aonde quer que ele vá, machucando essas pessoas em todos os sentidos.

 

— Qualquer pessoa que passa por um acidente está sujeita a lembranças ruins, a emoções muito fortes, muito negativas. Especificamente, a queimadura deixa marcas na nossa vida. Marcas emocionais e marcas físicas. Então se eu tenho uma marca que fica em mim, todos os dias, todas as horas, que fica latejando e me lembrando a todo o minuto daquele acidente, da explosão que eu tive na minha casa, do meu filho que morreu junto do meu acidente, é um sofrimento muito grande, explica a psicológa Cecília Alves, que lida com pacientes queimados no IAQ há quatro anos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cecília confidencia que crianças, idosos e pessoas que tiveram traumas irreversíveis em decorrência do acidente, como é o caso de amputações, são os grupos que recebem atenção do profissional que trabalha com saúde mental. Porém, ela lembra que cada caso é um caso:

 

— Em termos de psicologia, cada história é uma história. Eu posso ter duas pessoas que tiveram o mesmo tipo de acidente, inclusive, duas pessoas que se acidentaram juntas, mas cada uma tem uma noção diferente, uma resposta diferente para aquele acidente.

 

Em uma sociedade em que há um forte estereótipo de corpo perfeito como a nossa, Cecília diz que o atendimento psicológico ajuda o paciente queimado na medida em que mostra a ele que uma cicatriz não representa o que ele realmente é.

 

 

 

 

Outro setor bastante procurado no Instituto de Apoio ao Queimado é o da terapia ocupacional, que busca fazer com que o paciente queimado possa retomar suas atividades da vida cotidiana. Terapeuta ocupacional do IAQ desde a fundação do Instituto, em 2006, Cristiani Arruda trabalha com vítimas de queimaduras há 24 anos. Ela conta que a terapia ocupacional busca solucionar dificuldades funcionais, emocionais e sociais dos pacientes, e até mesmo reabilitar esses pacientes a fazer coisas mais simples:

 

— Escovar os dentes é tão simples. Passar a mão na cabeça é tão simples. Andar é tão simples. Mas quando você se vê diante de um trauma desse, as dificuldades impedem.

 

Cristiani explica que conviver com vítimas de queimaduras é ter uma lição de vida a cada dia. Ganhar a confiança dos que passam pelo seu consultório, de crianças a idosos, para ela, é um dos pilares para que a terapia ocupacional contribua para a melhora do bem estar dessas pessoas.

  

Mesmo com as dificuldades para se manter em meio a crise econômica, o Instituto de Apoio ao Queimado permanece de portas abertas a vítimas de queimaduras que necessitam se reabilitar física e psicologicamente. Para muitos, é uma segunda casa. Uma morada necessária em meio a falta de um serviço público que ofereça um acompanhamento pós-alta do IJF. Como está em seu próprio nome, é um apoio. Um apoio que não diz:

 

— Deixa eu fazer isso para você.

 

Mas que não cansa de repetir:

 

— Você vai conseguir superar suas limitações.

Márcia Távora - Gestora do IAQ
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Cecília Alves - Psicóloga do IAQ
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Cristiani Arruda - Terapeuta ocupacional do IAQ
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