SHEILA, A VENDEDORA DE SONHOS
Por Émerson Rodrigues
Era uma quarta-feira quando conhecemos Sheila no Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ). Naquela tarde do dia 2 de maio, Sheila era a única paciente fazendo fisioterapia. Após entrevista com sua fisioterapeuta, Patrícia Carvalho, pedimos a Sheila para gravar um pouco de seu atendimento. Ela não só consentiu como se mostrou curiosa para saber um pouco mais sobre o nosso trabalho. E, assim, começamos a conversar, passamos a conhecê-la melhor e não poderíamos deixar de querer descobrir um pouco mais. De ir além daquelas cicatrizes. E fomos.
Durante quinze dias mantemos contato com ela. Até o dia em que conhecemos sua casa, um pouco de sua vida e o depois de um acidente. Sim, existe vida depois. E as queimaduras não são o fim, mas linhas de um recomeço. Pelo menos é assim que Sheila pensa hoje, pouco mais de oito meses após o ocorrido. Sheila Santos, 41 anos, filha do seu José, já falecido, e da dona Adélia, cresceu no bairro Messejana, em Fortaleza, junto com mais sete irmãos. Perto da casa dos pais, Sheila brincou quando criança, descobriu-se adolescente e logo depois se viu crescida. As responsabilidades haviam chegado, mas ela não abandonou a simpatia, a facilidade de fazer amigos e o sorriso no rosto.
"Eu sou uma pessoa que chega num canto e dificilmente não faz amizade"
O tempo passou. De 2010 a 2017, Sheila trabalhou no setor administrativo de uma empresa de produtos automotivos. Em março do ano passado, porém, ela resolveu pedir demissão para acreditar em seus sonhos: investir na área de massoterapia e no setor de vendas. Sheila queria ser livre. Estava cansada do setor administrativo. Em parceria com a amiga Pollyana, abriu um salão de beleza, comandado pela amiga, e uma sala de massoterapia, administrada por ela. Sentia que estava no caminho certo e que era hora de se livrar do passado que não queria mais. Bendita hora.
No dia 18 de outubro de 2017, Sheila estava em seu apartamento, no bairro Cajazeiras, para onde se mudou há 13 anos, queimando papéis velhos de seu antigo emprego utilizando álcool. Achando que tinha colocado pouco álcool, ela então pôs uma dosagem maior. Foi aí que aconteceu. Uma labareda se formou, atingiu a garrafa de álcool que segurava e queimou seu braço direito. Ao soltar a garrafa no chão, ela explodiu e ainda queimou o vestido e as pernas de Sheila que, desesperada, usou as mãos para apagar o fogo. Sozinha no apartamento, ela recebeu ajuda dos vizinhos e foi levada ao Instituto Doutor José Frota (IJF) por Pollyana, que chegou logo depois de saber do ocorrido.
Quando deu entrada no hospital, Sheila ainda não sabia da gravidade de suas lesões e que estava com 40% de seu corpo queimado. As queimaduras, de segundo e terceiro grau, fizeram com que ela ficasse 43 dias internada no Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do IJF, sendo os 30 primeiros sem conseguir andar. Na unidade, ela passou por dias complicados e chegou a acreditar que não conseguiria levar o tratamento adiante. Mas e os sonhos? A família? Os amigos? Foram eles que não fizeram Sheila desistir. Motivada ainda pelo apoio da equipe médica do CTQ, ela perseverou. As dores foram diminuindo, Sheila voltou a andar e cada passo dado indicava que a alta estava mais próxima.
"O tratamento é assim: cada dia, pra poder melhorar, você tem que sentir um pouco de dor"
No dia 3 de dezembro de 2017, Sheila voltou para casa de sua mãe. Recebida por familiares e amigos, ela não pensou duas vezes na primeira coisa que queria fazer ao chegar em casa: arrumar os cabelos e passar batom. A vaidade continuava, mas engana-se quem pensa que aquela Sheila era a mesma de antes. Com o acidente, ela viu sua vida invadida pelo carinho de pessoas próximas, passou a entender mais o outro e valorizar as pequenas coisas. Muito disso se deve também ao acompanhamento que Sheila faz até hoje duas vezes na semana no Instituto de Apoio ao Queimado, onde nos encontramos.
No IAQ, ela faz tratamento fisioterápico e psicológico. Lá, Sheila compreendeu que as cicatrizes agora fazem parte de sua história e a se aceitar como ela é hoje. Os cuidados, como não pegar sol em excesso, usar sabonete neutro durante o banho e evitar alimentos que podem causar inflamação e coceira, já fazem parte de sua rotina. A Sheila que nos recebeu na casa de sua mãe, onde se recupera do acidente, contudo, não reclama mais por coisas pequenas. Pelo contrário, ela sorri hoje como sorria quando criança. Como todos nós deveríamos sorrir para a vida só por saber que ela passa muito rápido e que pode acabar mais rápido ainda.
“Quando você tem fé, quando você acredita em algo dentro de você, tudo se transforma”
Sheila, que no tempo livre em casa gosta de ficar no jardim, sentada em um banquinho simpático como ela, não desistiu de seus planos para o futuro, mas não tem pressa para realizá-los como antes. Ela ainda pretende abrir uma loja para vender moda feminina e, em um segundo momento, quer voltar a trabalhar com a massoterapia. O importante agora é a sua recuperação, mas isso ela vem tirando de letra, porque sabe que o caminho continua esperando por ela.